The Glory (A Lição) é facilmente um dos melhores doramas do ano que estão disponíveis na Netflix. Com 20 episódios dublados em português, essa produção sul-coreana conquista o público com uma história de vingança de bullying escolar. A série conta a história de Moon Dong Eun, uma estudante brilhante que busca vingança contra seus colegas de classe que a humilharam publicamente – e é baseado em uma personagem real.
Farei uma única resenha, pois acredito que a divisão de partes não tem função nesse dorama. O final do oitavo episódio é de perder o fôlego e o começo da segunda temporada retoma o mistério de um jeito interessante, sem parecer outra temporada, mas não tinha a menor necessidade de dividir em partes.
Me arrependi de demorar para assistir este dorama porque é a melhor coisa que vi neste ano até agora e, provavelmente, é “o” dorama de 2023 com folga. Porém, por me identificar pessoalmente com a protagonista, tive receio de enfrentar muitos gatilhos. O primeiro episódio é o mais pesado nesse sentido, ainda mais porque é baseado em casos reais de bullying.
A história real que inspirou de The Glory
Kim Eun Sook revelou, em uma entrevista, que sua maior inspiração surgiu após uma conversa com sua filha, que está no segundo ano do ensino médio. A garota perguntou: “Mãe, você ficaria mais desolada se eu matasse alguém ou se eu fosse morta por outra pessoa?”. Tal pergunta inspirou Kim Eun Sook a buscar casos reais de bullying na Coreia do Sul, incluindo o caso que ficou conhecido em 2006, em que uma vítima foi queimada com uma chapinha, teve o peito arranhado com um grampo de cabelo e teve seu dinheiro roubado.
Análise
Eu arriscaria dizer que é o melhor trabalho da carreira da Lee Eun Sook, superando até mesmo Goblin. Isso porque a narrativa é intensa e empolgante do começo ao fim, instigando uma maratona frenética que faz com que você deseje devorar os episódios um após o outro.
A falta de linearidade da história me deixou empolgada do começo ao fim. Esperei ansiosa por momentos de flashback inseridos. Geralmente consigo prever vários momentos da história, mas The Glory resolveu tudo de um jeito inesperado, além de de discutir temas sensíveis. A cena de um dos personagens vendo as cicatrizes da Dong Eun é uma das mais belas que já testemunhei não apenas em doramas, mas em séries em geral. Quis revê-la algumas vezes, um hábito que não tenho em dorama. Eu até gostaria que ela fosse mais longa.
A vingança tem ares que lembram Penthouse, mas sem a parte ultra exagerada que o makjang de ópera possui. Algumas pessoas criticam esse fato, e esperavam um pouco de sangue e vingança física, mas achei esse dorama bem “pé no chão”, do tipo que poderia acontecer na vida real. Apesar de ser fantasiosa em alguns aspectos de como a protagonista consegue sucesso e vantagens, tem mais verossimilhança (a cena com a xamã foi uma exceção, mas vai da fé de cada um).
Adorei que o roteiro não tentou em nenhum momento humanizar o agressor ou justificar suas ações com passados tristes, como é o comum nesse tipo de produção. Não é uma vingança física, escandalosa, explosiva e vilanesca. A beleza gloriosa da vingança “kármica” de Moon Dong Eun (Song Hye Kyo, de Descendentes do Sol, Full House e That Winter, The Wind Blows) é jogar com as próprias características vis de seus algozes e com aquilo que realmente os toca, os move e os incomoda. A vingança de Dong Eun é psicológica, aplicando em seus agressores a mesma incerteza, medo, pânico e ansiedade. Além disso, ela joga com o próprio ego e comportamento ganancioso de seus rivais para que antagonizem entre si até se tornarem alvo de si mesmos, jogando as peças do tabuleiro um contra um outro.
Aqui entra o jogo de “GO”, no qual um jogador pode tentar cercar e capturar as peças do adversário, assim como uma pessoa que sente o desejo de vingança pode querer “cercar” a outra pessoa para puni-la e ganhar território e controle do tabuleiro. Moon Dong Eun começa a destruir a casa de sua principal adversário: Park Yeon Jin (Lim Ji Yeon, de Alta Sociedade e Casa de Papel Coreia). Sua posição no tabuleiro é a única coisa que determina seu valor e função durante o jogo, outro simbolismo muito interessante. Até no figurino dos personagens é possível perceber uma alternância de peças brancas e pretas dependendo do personagem e do momento da série, talvez simbolizando quem está antagonizando quem no momento.
Elenco
Os atores adultos captaram bem a essência das crianças e vice-versa. Eles até se parecem fisicamente. Foi um excelente trabalho. Dos jovens, também me surpreendi muito com a qualidade da atriz Shin Ye Eun (Ele é Psicométrico, Miau: o Garoto Secreto, e Welcome) que provou saber interpretar uma vilã, além das boazinhas. A versãso jovem da Dong Eun (Jung Ji So, que atuou em Parasita, Extracurricular, Desgraça a Seu Dispor e Empress Ki) é um show a parte, que faz com que você realmente se importe com a protagonista. Uma peça fundamental. Uma curiosidade é que ela tinha 23 anos quando fez o papel, mas parece bem novinha. Excelente trabalho de maquiagem e figurino.
Song Hye Kyo realmente me ganhou com o papel de Moon Dong Eun adulta. Mal reconheci a dra. Kang de Descendentes do Sol, que já era uma figura forte, mas um pouco ciumenta e insegura. Aqui, está fantástica. A atriz revelou em entrevistas que entregou tudo de si e até se esgotou fisicamente para entregar tudo na atuação. Dá para ver. A protagonista é uma das figuras femininas mais interessantes dos doramas. Ela não tem nada a perder e sorri enquanto ameaça os outros, o que é um elemento muito diferente da maior parte das mocinhas vingativas que só querem explodir nos inimigos.
Lee Do Hyun (Hotel del Luna, 18 Again e Sweet Home) deu um show no médico Joo Yeo Jeong, mostrando camadas dramáticas em um personagem que poderia ser bastante linear, como “o bonzinho” e deixar o dorama bem piegas, em uma jornada de “pacificar” e render a protagonista. Porém, a frieza da raiva contida nele é brilhante e também inspiradora. O ator entregou tudo, atenuando momentos pesados, mas também acrescentando uma firmeza como “carrasco” da Dong Eun. É o parceiro que a personagem precisava, sem dar lição de moral.
O que gosto muito desse casal, além de ser um dos raros casos nos quais a moça é mais velha que seu interesse amoroso (noona romance), é também uma situação na qual é ele quem parece ser o equilibrado e gentil da relação que está lá não para curar a mocinha, mas ajudá-la em seus objetivos. Tem alguns clichês subvertidos aqui de uma maneira ótima. Além disso, ele próprio tem um passado e não é só um cara rico e passivo e gentil como o protagonista de Run On, por exemplo.
Continuando, Lim Ji Yeon foi um rosto que vi pela primeira vez em High Society (que eu dropei, mas ela era do casal secundário e amei suas cenas com Park Hyung Sik). Ela foi ótima em causar aquela ânsia, a raiva e a revolta no espectador, ao mesmo tempo que havia algo de instigante em seus contra-golpes. Ainda assim, há uma ambivalência quando se trata de sua família e sua filha. Uma vilã bem entregue.
Yum Hye Ran é maravilhosa e recorrente em muitos doramas, como Juvenile Justice, Para Sempre Camélia e Caçadores de Demônios. Sua personagem traz um toque de humor sem exagero, mas também faz com que você torça por ela e contra seu marido. Seu sonho de usar um batom vermelho e o poder de espiã que recebe ao aceitar trabalhar para Dong Eun é bem forte.
Outra menção que gostaria de destacar é Jung Sung Il, que é um baita de um pão, para usar as expressões da minha avó. Esteve em Bad and Crazy, A Frozen Flower e Amor e Outros Dramas. Por alguns momentos torci por um relacionamento amoroso com a protagonista, mas fiquei satisfeita com seu próprio caminho e suas descobertas. Ele é um homem rico, porém, não soberbo. Muito ligado às tradições e as aparências, acaba vendo sua família ser destroçada pela aparição da professora.
Outros nomes que tiveram destaque no elenco: Kim Hieora (participações em Clima do Amor e Advogada Extraordinária), a artista envolvida com drogas; Cha Joo Young (Idolo Celestial, como a deusa Redlin), como a amiga “pobre”, Kim Gun Woo (Record of Youth e Lutando pelo Meu Caminho), como o traficante, e Park Sung Hoon (Frozen Flower, Joseon Exorcist e Encarnação da Inveja), o amante.
Conclusão
Apesar de trazer a vingança como um momento de “glória”, há um bocado de reflexão na trama ao mostrar que, apesar de sofrer tanto, Dong Eun teve, sim, pessoas que lhe estenderam a mão e momentos que poderiam mudar seu curso de vida. Porém, cega pela própria dor e incapaz de elaborar o luto de sua adolescência, ela opta pela vingança. Incapaz de desvincular-se de um ciclo que não acaba (a partir do momento que ela tem sua adolescência interrompida ao deixar a escola), ela se fixa em tirar o futuro que sua algoz principal construiu.
A série mostra dois tipos de vítima: uma que viveu em silêncio e pode, apesar dos sofrimentos, continuar sua vida com as marcas da dor do passado, e a que decidiu agir e, por causa disso, não conseguiu dar um passo adiante do momento que estava. Nesse caminho da vingança, ela atropela até o autoconhecimento e pessoas que eram gratas a ela e tinham carinho.
Há também uma ótima discussão sobre maternidade, desromantizando a figura da mãe como ser absoluto e incorrompível, e como o amor pode vir de lugares inesperados.
A vingança tem um preço. Colocar a energia que move a sua vida em prejudicar uma pessoa consome anos, saúde e possibilidades amorosas e de conexões verdadeiras. Porém, a impunidade aprisiona vítimas em uma constante pergunta de uma condicional de seus destinos. The Glory mostra bem o preço dessa jornada e que não há vingança sem cair na amoralidade – para vingar-se, é necessário também passar por cima de pessoas, tal como quem errou “primeiro” (por exemplo, Ye Seul, a filha de Yeon Jin, certamente não crescerá completamente saudável).
Para que nenhum dos espectadores precise vingar-se, Moon Dong Eun faz isso por eles. Porque todo dinheiro e influência que ela precisou para fazê-lo seriam inviáveis, a série é uma delícia de lavar a alma para qualquer tipo de vítima. Sem cair em hipocrisias de lição de moral, The Glory é glorioso.
O melhor de the Glory é que fica cada vez mais interessante com o passar dos episódios, desvendando camadas como se fosse uma cebola. Há algumas sutis derrapadinhas em consistência (há muito que acontece de “incrivelmente certo” em favor da vingança), mas é perdoável.
Não existe um único personagem que da vontade de pular cenas ou que existe só para alívio cômico. É uma jornada de raiva silenciosa que abraça e envolve o público que, incapaz de realizar suas vinganças desejadas no íntimo, recorre à personagem salvadora para fazer por todos.
O que ver a seguir?
Para um casal que tem uma vibe parecida eu indico Tudo Bem Não ser Normal, que é entre uma moça com transtorno de personalidade e um enfermeiro.
Para trama de vinganca de gente rica, indico Penthouse e SKY Castle.
Já para suspense com investigação, mazelas da vida, principalmente sobre relações familiares, indico My Mister, Mother (2018), e Flower of Evil.
Nota: absolutamente imperdível.
Não perca tempo. The Glory é uma das melhores produções populares já criadas na Coreia! Eu amei cada segundo.