Na Direção do Amor (Run On) é um kdrama da Netflix sobre uma tradutora-intérprete que conhece um atleta famoso que acaba de deixar a profissão durante uma polêmica e tenta reencontrar seu caminho. O dorama tem opção dublado ou legendado exclusivamente no Netflix. Os 16 episódios são assinados pela Park Min Sook, e o diretor é o Lee Jae Hoon, de Page Turner.
Em primeiro lugar, acho que qualquer sinopse dessa história é um tanto quanto mentirosa, pois gera uma expectativa que não será entregue. Eu, por exemplo, fiquei um bom tempo esperando começar, até descobrir que era essa a história: não tem uma trama óbvia, com um destino previsível de acontecimentos, é um pequeno recorte de vida, sobre um atleta que entra em uma descrescente da carreira. O kdrama foca mais nas relações e no dia a dia dos protagonistas e nas forças que eles exercem um sobre o outro de uma maneira nada intensa ou cinematográfica – paradoxalmente com as cenas fantasiosas da mente da protagonista -, como costuma ser a vida. Apesar de achar bem marotonável no início, pode aborrecer quem quer um pouco de emoções fortes logo de cara. Ainda assim, há alguns elementos que merecem atenção.
Elenco
O atleta Ki Seon Gyeom é interpretado pelo Im Si Wan, integrante do grupo de K-pop ZE:A (o mesmo do Park Hyung Sik). O ator participou de O Rei Apaixonado e Misaeng. Sua interpretação traz leveza e uma certa pureza de espírito para um protagonista bem diferente. Seon Gyeom é sensível, um rapaz introvertido e peculiar, com alta moral, sendo capaz de punir a si mesmo como exemplo de privilegiado – por ser famoso e rico – para provar um ponto. É um tipo de personagem masculilno raro em séries, porque ele não é um metidinho abusivo esperando a mocinha para ser corrigido, ou um gênio especial recalcado que desconta suas frustrações nos outros. É só um garoto de bom coração, que, por ser protegido por seu status durante a vida, também assim conseguiu preservar seu efeito de bondade sobre os outros e, apesar de não ser muito bom em se expressar, nem por isso é grosseiro com os outros, sejam homens ou mulheres, tendo ele interesse romântico neles ou não. Só por isso, já é possível ficar encantada por um exemplar masculino raro não só de kdramas, mas de séries no geral.
Com essa função simbólica de tradutora de emoções, entra a protagonista, a tradutora-intérprete Oh Mi Joo, interpretada pela Shin Se Kyung (de “A Esposa do Deus da Água”, “Hae Ryung, a Historiadora”, e “A Garota que Vê Cheiros”). Ela é uma garota considerada mediana, que vive uma vida comum, pagando suas contas e trabalhando com o que gosta, mas sem o glamour de uma protagonista de série, sendo ironicamente fã de Cinema. Mi Joo é órfã e logo cedo aprendeu a se defender, por isso não tem medo de se impor para o mundo ou ser vista como louca. Quando seu caminho cruza com o coração desprovido de más intenções do atleta, recebe um carinho que nunca sentiu vindo de outra pessoa, mas tenta ensiná-lo a preservar-se um pouco. Até o final, é uma personagem que tem uma boa noção de amor próprio e individualidade, jamais se colocando em segundo lugar, sabendo que o relacionamento só dará certo se os dois cultivarem sua própria vida, seu trabalho e sonhos.
“Eu quero que você se ame um pouco mais, só assim teremos uma relação longa e saudável”
Diante disso, a dinâmica do casal é bastante parecida com a vida real e impressionantemente saudável. O casal do dorama até tem suas brigas de ciúme, mas nunca é uma troca possessiva. Apesar da forma cinematográfica que coincidentemente se conhecem e estabelecem vínculo, a maneira que se dá o início do relacionamento é similar à vida real. Eles se conhecem, começam a flertar sem nem perceberem, criam uma amizade e de repente ficam com medo de dar o próximo passo, mas quando percebem, já estão namorando.
Outro aspecto muito positivo desse relacionamento é como não há uma fusão do casal, que valoriza bastante a existência singular de cada um, inclusive eles têm gostos diferentes e reconhecem isso. Inclusive, quem mais tem coisas em comum no kdrama nem é namorado, são amigos dos personagens. Há uma vida profissional e com amigos que eles têm independente do relacionamento, além de que a mocinha está ciente de que não quer ter um relacionamento que a faça sofrer, por mais que ame o outro, já que se respeita em primeiro lugar. Se por um lado falta um pouco de fogos de artifício e explosões, sua mensagem positiva e pé no chão é bastante agradável de assistir.
Eles têm algo de fundamental para um relacionamento durar: pontos de crescimento que podem trocar entre si. Ele é muito generoso e altruísta, enquanto ela o ajuda a pensar um pouco mais em si com mais amor próprio sem se doar a ponto de se anular. Já ela costuma ter mais angústias em relação ao passado e ao futuro, enquanto ele foca no presente e não planeja demais ou lamenta o passado.
Outro casal em destaque é da empresária Seo Dan Ah, interpretada pela Girl’s Generation Choi Sooyoung, e o pintor Lee Yeong Hwa (Yeonghwa significa “filme” em coreano), interpretado pelo Kang Tae Oh (do grupo 5urprise, e que foi o mocinho do casal secundário de Primeira Vez Amor, mantendo até o dublador!). É um “noona romance” (ou seja, ela é mais velha do que ele, que é universitário). Dan Ah é uma mulher bem sucedida, calculista e fria, numa inversão do clichê de kdrama do menino CEO rebelde, enquanto Yeong Hwa é um rapaz enérgico, um pouco criança e inconsequente.
Eles podem até ter mais “química”, no sentido explosivo da coisa, mas em contrapartida passam por muito mais discussões inúteis e sofrem com atitudes infantilizadas conforme os episódios se alongam, deixando claro um certo tipo de resgate adolescente que Dan Ah vê em Yeong Hwa, enquanto ele, mimado a seu modo, vê um pouco da autoridade maternal nela. Uma precisa derreter o coração de gelo, e o outro precisa regrar e centrar mais sua vida.
Assim como outras referências a clássicos do cinema, a série brinca com a história da Rapunzel: ele é um plebeu que tenta alcançar sua amada no alto da torre. O casal coexiste com o principal e suas cenas são relevantes e engraçados até certo ponto, mas sua participação torna-se um tanto quanto irritante e repetitiva, especialmente quando notamos um desenvolvimento mais adulto do casal principal.
Fosse um pouquinho mais curta, estaria no ponto certo, já que a participação de todos os personagens tem algum tipo de interesse para espectador. Criei um afeto pela mãe do atleta (Cha Hwa Yeon, de It’s Okay That’s Love) e pelo irmão idol da Dan Ah (Choi Jae Hyun, de Ele É Psicométrico). Teve até uma participaçãozinha do Kim Seon Ho (do Apostando Alto).
Uma boa notícia é que há um pouco de representatividade LGBTQ+, mesmo que bem pincelada e discreta. Uma das personagens se identifica como assexual, Dan Ah provavelmente é bissexual (mas ela não confirma e ainda admite que usou isso como uma forma de afrontar a família) e há um pesonagem gay que ganha o apoio da irmã e tem até uma cena fofinha para se declarar. Também há algumas discussões de gênero, por exemplo a menina que luta boxe, uma mulher que precisou desistir do futebol e uma discussão no primeiro capítulo da protagonista e um diretor assediador.
Dublagem em português
A dublagem está realmente boa e é uma das maneiras de não ver o tempo passando. Ler as legendas pode tornar esse kdrama bem enfadonho às vezes, pois ele é bem paradinho. Achei que as vozes combinaram, embora tenha um certo charme ouvir as vozes mais graves coreanas. Por isso, acho que ver dublado fazendo outra coisa ajuda muito. Finalmente acertaram nas pronúncias e parecem ter feito uma pesquisa pra manter até os nomes das comidas e as menções culturais de idades. Muito bonitinho.
Conclusão
Longe de ser uma obra-prima, Run On é uma brisa suave da vida, sem grandes pretensões, abordando de forma leve várioso aspectos das metas de vida: a perseguição de realizações possíveis dentro de nossos sonhos, a conquista de um relacionamento mais palpável e afastado dos desejos do cinema, e a os primeiros passos para fora do núcleo familiar. Não é sobre sonhar alto e se jogar em devaneios na expectativa falsa de que assim serão imediatamente conquistados com o poder da perseverança, é sobre saber levantar-se ao cair e seguir em frente. Discute como descobrir suas próprias metas e o que acontece quando você trabalha com aquilo que gosta (spoiler: você passa a enxergar as partes ruins e chatas daquilo que você faria de graça).
Afinal, por que você corre? Do que você gosta? Você já falhou? Você sabe cair? E como se levantar? Será que você corre e foge dos problemas? São algumas das reflexões que a série pode proporcionar, se você quiser dedicar um tempo para isso. A corrida e a tradução podem até ser metáforas: o correr é o olhar para frente e seguir, tanto quanto acelerar sem motivo. Já a tradução pode ser um olhar diferenciado sobre o corriqueiro, é entender as intenções do outro e aprender a se expressar. Quando há uma relação de uma tradutora e um corredor, basicamente estamos dizendo que, para viver, antes de continuar correndo, você tem que olhar para frente e descobrir qual é o objetivo do outro lado. Ele diz que é ela quem está lá esperando por ele, o que representa a expressão de seus sonhos e desejos de vida. Em resumo: viver é correr sem pensar no passado, e só faz sentido se na linha de chegada tem um objetivo que te faça feliz. Do contrário, gera frustração. Você pode parar, respirar um pouco, mas nunca desistir. Por mais que você demore e todos terminem na tua frente, é importante saber quem vai estar te esperando no final.
De todo modo, não recomendo para todo mundo, porque não é uma trama cheia de reviravolta, emocionante e intensa. Em comparação com outros doramas motivacionais, Run On é muito parado e “não acontece nada”, especialmente em alguns lá perto do episódio 11, que eu vi de maneira muito mais pausada do que os 10 primeiros. Apesar de seus pontos positivos, nem sempre entretém, e nem todas as cenas agregam, tornando-se um pouco repetitivo perto do final.
Não é um romance docinho e açucarado, muito menos um melodrama de te deixar chorando. No meio do caminho, é doce, diferente, fofo e suave. Despretensioso, pode decepcionar quem busca “demais” de romance avassalador ou de uma moral da história contada na base do sofrimento. Não espere nada de Na Direção do Amor e você pode se surpreender.
Nota:
A nota não tem a ver com o positivo valor simbólico da série, mas porque acredito que o contrato de 12 episódios teria feito bem para Run On. Acho que a série poderia ter rendido mais, mas, o que é um final feliz para você? Acredito que a proposta de Na Direção do Amor tenha sido justamente não fazer nada de grandioso ou conclusivo. Não importa muito o final, mas a celebração da “maratona”, ou seja, das pequenas conquistas cotidianas.
Dicas de dorama para ver a seguir:
Eu recomendo logo de cara Porque Esta é Minha Primeira Vida, pela dinâmica de múltiplos casais e uma discussão mais honesta sobre relações e objetivos.
Em segundo lugar, indico Lutando Pelo Meu Caminho, que também fala de uma carreira no esporte e outra que não seguiu tão bem assim. É um kdrama mais forte, dinâmico, mas tem até o mesmo problema de ritmo de Run On.
O casal mais leve com a temática esportiva e juvenil me lembrou A Fada do Levantamento de Peso.
E, por último, se você gostou muito do protagonista e quer encontrar outro mocinho insosso que tenta realizar seus sonhos ao lado de outra mocinha passiva, existe uma chance de você não sofrer assistindo Apostando Alto.
Oi Juliana, que resenha maravilhosa! Eu comecei nos doramas faz pouco tempo e Na direção do Amor é minha quarta novela na sequência (em 3 semanas! Kkkkk). Achei um pouco devagar, mas estava precisando de algo assim, menos romântico angustiante e mais romântico pé no chão. Achei que o personagem Ki Seon Gyeom era neuroatipico, pela dificuldade que ele apresentava para se relacionar e para entender as outras pessoas, o que me motivou a continuar assistindo. Você percebeu algo nesse sentido? Obrigada pela resenha!
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Oi, Elaine! Que interessante sua visão. Não tinha pensado por esse lado. Poderia ser, né? Seria legal mesmo, daria outra cor para o dorama! Pensando aqui que temos até uma personagem assexual, eu não duvidaria que poderia, sim, ter um personagem neuroatípico.
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Parabéns pela resenha.
Essa é a minha segunda série coreana e sua resenha contribuiu bastante com a leitura da série.
E o que mais me trouxe aqui foi a questão se ele possui algum nível do espectro do autismo – o olhar pra cima, não reconhecer algumas pessoas ao redor (mas lembrar de um encontro fugaz com a protagonista), sempre tem um ritual pra comer, tipo sugando e quando está na casa da antiga treinadora ela bagunça o cabelo dele e comenda que ele sempre deu trabalho pra comer … mtos trejeitos.
Grata por seu trabalho e análise
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Oi assisti
Nada Direção do Amor
Gostei mais para mim faltou um pouco mais de romance de se encontrar mas de beijar mais não sei é porque eu sou muito romântica e sonhadora talvez seja isso é minha opinião más tudo bom amo Dorama
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Eu concordo. Foi bem morninho. Acho que tem doramas mais romanticos 🙂
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Ola Juliana, tudo bem?
Pode me indicar por favor umas series coreanas românticas, mas com final feliz!?
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Pousando no Amor, Enquanto Você Dormia, O que Há de Errado com a Secretária Kim, Descendentes do Sol, Mulher Forte Do Bong Soo 🙂
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Eu comecei a ver os doramas há pouco, minha filha de 11 anos que me “apresentou”. Eu amei, sou romântica e apesar dos meus bem vividos 48 anos, eu me sinto na época da minha faculdade aos 18 a 22 anos.
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Nossa, que série mais sem gracinha. Que coisa mais morna e desinteressante. Tá certo que aborda temas importantes, mas não passa disso. O romance, se é que podemos chamar aquilo de romance, demora séculos para acontecer alguma coisa. Apesar de gostar do elenco, foi extremamente cansativo pra mim.
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