D.P Dog Days é uma série de seis episódios na Netflix sobre os dias de cão do serviço militar obrigatório coreano. Um jovem soldado entra para a equipe de caça aos desertores e no processo descobre os motivos que levaram os colegas a desertarem, assim como vemos uma lupa no cruel sistema hierárquico da sociedade coreana.
É facinho de maratonar e terminar no mesmo dia. No Netflix tem dublagem em português, que está excelente, com pronúncias de nomes que estão melhorando a cada dia, muito natural e ajuda demais a absorver o conteúdo atento aos detalhes e ao clima sombrio. Só precisam aprimorar os nomes com vogais duplas “seók” (Sók) ou Suae (Suê), mas dessa vez até as comidinhas falaram certo. Tá realmente muito imersivo.
Excelência técnica
A direção é do Han Jun Hee, que ganhou prêmio de melhor diretor pelo filme “Coin Locker Girl” (2015). A história é baseada na webtoon de Kim Bo Tong, que ajudou a escrever o roteiro com o diretor. A parte técnica está impecável. As cores sempre mais escuras, um pouco “sujas”, amareladas, azuladas tristes.
A direção também traz uma baita cena daquelas que faz pensar e que resume a série: enquanto os recrutas correm do lado de fora fazendo seus exercícios, as árvores crescem livres com seus ramos irregulares. Já no escritório do superior daquela unidade do exército, há um monte de bonsais, cujos galhos são podados, cortados lentamente para moldá-los. Até a ideia de bonsai é genial, cuja ideia é podar as plantas de modo a diminuí-las encaixando-as naquele sistema ordeiro, ao bel prazer de quem o possui.
A trilha sonora, composta basicamente pelos artistas Kevin Oh, Primary e Kriz. É belíssima, coesa e eficiente ao trazer uma juventude tristonha, um clima de sonhos reprimidos com esperança remota. Tem um efeito semelhante a Itaewon Class. Vou até colar aqui porque é brilhante do começo ao fim.
Elenco
Comecei a falar pela parte técnica porque realmente é um diferencial da série. As músicas e a composição estética são fundamentais para vender a história para o telespectador e para mim funcionou maravilhosamente bem.
Nosso protagonista é Ahn Jun Ho, um jovem ordeiro, inteligente, que vem de uma família de baixa renda com um pai alcoólatra violento e opressor. Logo, ele está acostumado a conviver com um ambiente agressivo, com regras arbitrárias baseadas no ego. Por trabalhar de motoboy ele também convive com as microagressões do dia a dia de suas relações hierárquicas com seu chefe ou clientes abusados. Sua calma e apreço pelas regras encantam e revoltam com facilidade, pois queremos justiça por ele o quanto antes. O ator Jung Hae In é especialmente uma boa escolha de escalação porque tem aquele rostinho de menino e aqui está bem diferente de doramas fofinhos. Passa muito bem a imagem de ser “só um menino” que ainda não foi corrompido, apesar de tudo. Uma curiosidade é que no dorama Enquanto Você Dormia, ele interpretou um policial e a trama parte de um incidente envolvendo um desertor do exército que causa um acidente.
Outros dois grandes destaques ficam por conta do cabo Heo Yol (interpretado pelo Koo Gyo Hwan, que atuou em Kingdom: Ashin of the North) que entra para dar um afago merecido na audiência, um alívio cômico ácido, com muita irreverência e espontaneidade, representando as vontades de quem assiste. Ele é um símbolo de rebeldia e como driblar as regras, agindo em volta delas.
O supervisor da unidade Park Beom Gu (Kim Sung Kyun, o astrólogo de Scarlet Heart: Ryeo) é um personagem muito bem escrito e cheio de camadas. Você começa com raiva dele, depois entende que ele é resultado do sistema e aprendeu a jogar conforme as regras deste para sobreviver.
É interessante demais perceber que, de longe, ele é um carrasco, mas de perto, até o suposto superior de patente mais alta tem alguém ainda pior acima dele para controlá-lo e humilhá-lo. Mostra sem rodeios a origem dos valentões e a corrupção pelo poder, legitimada por uma sociedade que dá muito valor a hierarquia.
Ritmo e conclusão
Por ter 6 episódios, eu pensei que seriam mais ou menos 100 dias por episódio para fechar o período obrigatório, mas a série conta só as primeiras dezenas e é angustiante demais o quanto de coisas acontecem em pouquíssimos dias e ver quanto ainda falta para completar.
Uma das partes que mais gostei foi a maneira realista e franca que trata os temas, sem vir com discurso pronto de heroísmo e como “é feio fazer isso”. O que é certo nem sempre está dentro da lei e depende muito do ponto de vista de quem conta. O vilão facilmente vira um ratinho assustado quando fala com alguém a sua altura e dá para perceber que quanto mais perto do sol, mais perdido e corrompido fica aquela pessoa.
Entre a corrupção, dos valentões, e corrosão, das vítimas, D.P. traz um sopro de resistência. Incômoda, dinâmica, sombria e ousada, definitivamente não é pra quem só vê série coreana por romance e por “oppa”. Mais do que um doramão envolvente, é uma série intensa para mostrar até para quem não é fã. P.S.: veja até o final dos créditos para sentir o soco no estômago.
Imperdível. Vá já assistir ou, no mínimo, ouvir essa trilha sonora maravilhosa.
Nota:
Vai ter segunda temporada de DP? Não sei, mas material não falta. Se acabar assim mesmo deixa a incômoda sensação de que é um ciclo sem fim que está acontecendo neste exato momento enquanto você lê a resenha.
O que ver a seguir:
A energia sombria em volta de jovens me lembrou Extracurricular.
A beleza imagética casando com tema reflexivo, atuação impecável e trilha sonora no ponto me fez lembrar de A caminho do céu.
Olá Juliana! Penso que esta série é um tocar numa ferida. Expôs possibilidades bem reais de acontecer além de treinamento pesado o assédio de superiores aos praças. Fiquei pensando o tempo todo nos Oppas dos doramas e na época de servirem. Não deve ser moleza. Park Bo-gum está ainda servindo na Marinha, entretanto, mexer com esses atores seria um tiro no pé da reputação das Forças Armadas por lá.
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