Resenhas de Kdrama

Resenha de Mr. Sunshine: uma pintura cinematográfica e histórica da autora de Goblin

Dorama do Netflix e da tvN, Mr. Sunshine: Um Raio de Sol (2018) é uma série épica que conta a história de um escravo refugiado da Coreia no período Joseon que se torna um militar em missão diplomática pelos EUA e volta a seu país de origem que se encontra em uma situação turbulenta de disputas de interesses em meio a uma guerra iminente. Lá ele encontra uma nobre revolucionária que recusa a aceitar seu papel imposto pela sociedade e luta por seu país em segredo.

Antes de mais nada, embora esta seja uma história de romance, não é uma comédia romântica. Bem longe disso. É um épico ambientado na guerra, que fala sobre um período da história da Coreia antes de sua separação. O tempo todo os personagens tentam alertá-lo para um possível “sad ending”, enquanto buscam maneiras de alcançar um futuro melhor. Também não é um drama de ação focado em batalhas. O clima é bastante moroso e parece que “não acontece nada” em vários episódios, mas não se engane – se enjoar, pare um pouco e volte depois, porque vale a pena.

A história é da Kim Eun Sook, uma roteirista famosa por trabalhos como Goblin, Descendentes do Sol, Herdeiros, e, mais recentemente, O Rei Eterno. Mr. Sunshine marca uma espécie de “nova era” na escrita dela e é diferente de todos os trabalhos que ela já fez, encontrando-se no meio do caminho entre Goblin e O Rei Eterno, mas substituindo o sobrenatural por um clima de poesia estética que preenche os vazios dos espaços de natureza do cenário. A direção é de Jung Ji Hyun. e do Lee Eung Book, que dirigiu Goblin e Descendants of the Sun.

O elenco

Aeshin é interpretada por Kim Taeri, que fez a criada Sookhee do filme premiado A Criada (2016) – não o veja com sua família na sala. Pequena, com face frágil e olhos grandes, não é sua típica mocinha indefesa em um castelo. É uma chama crepitante da liberdade, que embora venha de um local de privilégios, utiliza-os para um ideal. Na minha concepção, ela é a representação da própria história da Coreia, e suas transformações ao longo da trama coincidem com as mudanças sofridas pelo país no período: ela vem de um lugar de nobreza de Joseon, depois é obrigada a enfrentar adversários, angariar aliados e, mesmo com as perdas sofridas, não se permite desistir pela esperança de dias melhores.

Eugene Choi é Lee Byung Hun, que tem um currículo gigantesco de filmes e séries, entre os quais destaco: IRIS (porque entrou no catálogo do Netflix), Beautiful Days, All In, Bungee Jumping of Their Own e Bitterseet Life. Ele é um militar americano, que fugiu da Coreia quando era criança após seus pais serem assassinados. Ele sofre uma forte crise de identidade, já que seu país o renegou por ser filho de escravos, enquanto os EUA não o aceitam como um americano de verdade. Seus acertos são atribuídos a “Eugene”, seus erros, a “Choi”. Sua busca durante a trama é de identidade: a quem deve sua lealdade? Seu país onde nasceu ou aquele que o criou? Seu personagem vive um dilema de não pertencimento, mágoa e uma trilha de vingança contra um sistema em colapso da nobreza coreana.

Além dos protagonistas, muitos personagens têm peso, relevância e desenvolvimento. A trama funciona por pequenos núcleos entrelaçados, com personalidades dificilmente ignoradas. Vou citar apenas alguns destaques.

Hina é interpretada por Kim Min Jung, de “O Juiz do Diabo”, “My Fellow Citizens” – com o Siwon do Super Junior, e entrou em junho de 2020 no Netflix. Dona de um hotel e casa de entretenimento que recebe, no mesmo lugar, aliados e adversários, Hina é, possivelmente, a personagem mais inteligente de Mr. Sunshine. Resiliente, sagaz, sedutora e com uma alta capacidade de manipulação e sobrevivência, esta personagem tem tantas camadas que, sozinha, já seria um ótimo motivo para assistir à série.

Kim Hee Sung, interpretado por Byun Yo Han (“Six Flying Dragons”), é um boêmio nobre que você começa odiando, mas com o tempo, é possível compreender o universo no qual ele foi criado e as transformações do personagem. É uma jornada de culpa, tomada de responsabilidade e ação muito interessante de assistir.

Por último (e infelizmente, pois eu poderia falar de alguns outros), Dong Mae (Yoo Yeon Seok – Hospital Playlist, Dr. Romantic, Architecture 101) é um samurai chefe de uma gangue, que começa como vilão, mas devido às polêmicas com o Japão e as críticas recebidas, teve sua história completamente modificada e se torna um personagem interessante, incompreendido e sem um lugar no mundo após uma vida de poucas escolhas.

Dentro do núcleo de cada um desses, há também vários outros personagens menores que são igualmente carismáticos e apaixonantes, como os cuidadores de Aeshin (Lee Jung Eun – que fez Parasita, vencedor do Oscar 2019- e Shin Jung Keun, de Hotel del Luna), ou a cartomante companheira de Dong Mae, Hotaru (Kim Yong Ji, que apareceu recentemente em O Rei Eterno), além de vilões absurdamente odiosos, como Lee Wanik (Kim Eui Sung, que fez Memórias de Alhambra, My Fellow Citizens e Arthdal Chronicles).

Ufa!

Desejo queimar intensamente, depois murchar. Como uma chama. Eu tenho medo da morte, mas me decidi.

Além de tudo isso, a trilha sonora é simplesmente espetacular e inesquecível, seja a parte instrumental de violoncelo e piano, sejam as canções que trazem uma melancolia palpável nas letras e que penetram nos ouvidos com os sentimentos dos personagens traduzidos em inglês e coreano. É arrepiante, do começo ao fim. Por isso deixo um link para uma playlist no Spotify abaixo.

E o final, é satisfatório? Se eu pudesse mudar algo, seriam: uma falta (você sabe do que eu estou falando, se não, tem relação ao contato físico) e o maior spoiler da série, mais especificamente a maneira como isso acontece, pois achei abrupta e aleatória. Mas será que é um “sad ending“, como os personagens mencionam o tempo todo? Digamos que a história lhe dá todas as pistas que você precisa saber para tirar suas conclusões, mas nem assim é o suficiente para prever o que vai acontecer. Pessoalmente, depois de desidratar horas depois de já ter finalizado a história, acredito que Mr. Sunshine é, assim como o ativismo das pessoas que acreditam em um ideal, sobre a sua jornada e a luta motivada pela possibilidade de dias melhores e a certeza de que sua alma encontrou um propósito que serve como a chama para manter sua vida. Dito isso, acho que o sentimento que fica quando a última cena acaba é uma ilusão à sensação de toda uma população com sonho de independência.

Mr. Sunshine é um dos melhores doramas já produzidos em todos os aspectos. Uma obra de arte que, como tal, não pode ser vista de forma leviana ou casual. É feita para apreciar cada episódio, que parece um filme próprio, em duração e também na produção, com cenários de tirar o fôlego e uma cinematografia hipnotizante. O realismo cru de certos acontecimentos conversam com a frieza de uma guerra e transportam o espectador para um surto de empatia imediata com a história da Coreia do Sul em um de seus períodos mais dolorosos e que nos faz entender a persistente rixa e as polêmicas diplomáticas entre Japão e Coreia do Sul.

Se a vida é uma flor projetada para murchar, desejo que a minha floresça como fogos de artifício.

Caso tenha ficado interessado por esse período da história ou o que acontece depois, tente ver “Louvor à Morte“, um dorama curto, que não tem relação direta com Mr. Sunshine, mas que é baseado em fatos e localizado em um momento imediatamente após os acontecimentos ali mostrados.

Vale muito a pena também conferir outros trabalhos da Kim Eun Sook. São diferentes, mais leves, mas também especiais.

28 comentários

  1. Assisti o dorama, fiquei muito impactada com a maestria com que foi colocada à nossa frente um período tão difícil e violento. Aterrador. Concordo com a sua resenha, a habilidade em usar figurino, enredo, fotografia enquanto apresenta tantas dores e cicatrizes é realmente obra de grandes artistas.
    Há alguns detalhes, como a foto no final (que entendi ser verdadeira) e as fotos enterradas, essas ainda não sei.
    A história me levou a pesquisar mais. Ainda quero assistir uma segunda vez.

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