O que acontece depois do “Felizes para Sempre”? Fishbowl Wives, ou “Esposas de Aquário” (Kingyo Tsuma, esposa-peixe-dourado, em tradução livre) é uma série dublada de oito episódios da Netflix sobre seis esposas que vivem em um condomínio de luxo e enfrentam problemas conjugais.
É um live-action de um mangá seinen (para homens adultos, entre 20 a 50 anos) publicado em 2017 pelo Kurosawa R. A trama é sobre seis mulheres casadas e suas realidades distintas, mas conectadas pela insatisfação.
A história é bastante voyeur, colocando o espectador espiando pelo buraco da fechadura dos interiores dos lares desses casais em vidas conturbadas. Com várias cenas de sexo explícito, é bem descarado no objetivo de oferecer cenas picantes recheadas de tempo de tela — quase um soft porn com história. Esteja avisado antes de assistir.
Quem são as protagonistas?
Sakura é a “esposa do aquário”. Interpretada pela Shinohara Ryoko (de Last Cinderella), casou-se com um homem rico dono de um salão de beleza e abandonou seus sonhos de ser cabeleireira, sofrendo violência doméstica constante. Um dia, ela encontra um jovem dono de uma loja de peixes dourados que é gentil e a faz sentir o amor renascer, bem como seus sonhos.
Yuka (Nakamura Shizuka) é a “esposa que terceriza” o sexo. Ela vive uma relação frígida, sem nenhum desejo por seu marido e sente falta de ser desejada, até que encontra um ex-namorado e o frio na barriga volta.
O marido de Noriko (Seto Saori) se excita vendo a esposa com outros homens e, por isso, ele contrata um colega de trabalho para seduzi-la, mas ela acaba se apaixonando. É a “esposa que cozinha” e expressa seu carinho através do alimento, tendo grande prazer por ser capaz de satisfazer alguém através da comida.
Hisako (Matsumoto Wakana), é a “esposa com dores de cabeça”, que vive momentos extremos de enxaqueca engatilhados pelo tema “traição”. Um possível caso de conversão de excitação sexual em sintoma bem curioso e com um dos plot-twists mais legais de todas as histórias. É bem interessante.
Saya (Ishii Anna), a “esposa companheira”, tem um problema com alcoolismo e, provavelmente, depressão. Uma atleta no passado, ela passa seus dias na frente da televisão bebendo cerveja e seu marido vê a mulher companheira a seu lado se transformar em uma pessoa completamente diferente.
Por último, Yuriha (Hasegawa Kyoko) é a “esposa da reforma” que se incomoda com o marido por sempre priorizar a mãe em tudo. A sogra, por sua vez, parece ter uma relação devoradora com o filho, como se fosse sua esposa de fato. O filho não só endossa isso, como critica a esposa por não “respeitar” sua mãe e até faz comparações, querendo que ela a agrade. Ao fazer a reforma de sua casa, ela conhece um homem, que como ela, possui uma grande marca na pele e é capaz de entendê-la.
Análises e conclusão
Adoro o título “Fishbowl Wives”, as esposas do aquário, ou esposas peixes-dourado, do japonês, pois tem muito simbolismo aqui que a própria Sakura explica para o público em uma cena bem bonita, ao entrar em seu antigo apartamento para resgatar um peixinho dourado. Elas são mulheres vivendo dentro de um apartamento, presas a uma realidade de bolha, algumas até invejadas, mas estão presas, com uma vida infeliz, existindo em um aquário de paredes sujas, que precisa de constante troca ou acaba adoecendo, até mesmo perdendo as cores e ganhando uma marca permanente.
Percebe-se um trabalho de direção caprichado, com uma linguagem visual comunicativa. Por exemplo, na história de Saya, a atleta, e os planos que mostram o marido a superando. Primeiro, é mostrado sentado olhando para ela em pé, depois, na vida atual, é ela quem está sempre sentada e ele está em pé. Em outra cena, o marido tenta acompanhá-la na corrida, mas, depois, é ela quem é deixada para trás. Uma amiga até aponta a solução: talvez seja a sua vez de correr ao lado dela e acompanhá-la.
Mais uma deliciosa “brincadeira” é o fengshui da sogra da esposa da reforma: janelas trazem problemas no relacionamento como traição. Claro, pois as janelas deixam que você olhe o mundo do lado de fora do casamento e pode ser seduzido ao fazer isso, principalmente quando o sol é mais forte do lado de fora (como é demonstrado quando a traição é consumada e ela ganha até mais brilho na vida).
Tem muita coisa interessante para extrair das histórias que vão além da estética sexual, mas essa permeia a história. Os casais que se desencontram em casa para se encontrar em outras casas mostram o cerne de muitos dos problemas conjugais, trazendo a fuga como principal solução (temporária) daquilo que não se quer enxergar por dentro.
Além desses símbolos, a série está, claro, cheia de mensagens subliminares e sugestivas mesmo em cenas cotidianas. O sexo é uma expressão de desejo reprimido das personagens, por vezes colocando-as como objetos utilizáveis por seus maridos. Não é totalmente gratuito, mas é mais da metade do episódios sobre isso, como um Verdades Secretas das esposas do cotidiano. Por um lado, até isso tem algo a dizer ao romper com esse padrão de castração moralista da sociedade como um todo, mas sobretudo da japonesa. Porém, sim, você precisa torcer um pouco esse caldo na sua cabeça para assistir com esse viés, já que em geral, parece um folhetim no qual tudo envereda muito rapidamente para o sexo.
Quem não vai gostar?
Uma palavra: sexo. Não quer assistir? Não dá play. Só isso. A série respira erotismo do começo ao fim.
No mais, é focado nas relações delas, e nos desafios enfrentados pelos casais. Não espere por nenhuma trama especial.
Algumas cenas parecem um pouco exageradas e bastante vergonha-alheia mesmo, com um jeitão claramente de “mangá”, com situações que parecem que só fariam sentido desenhadas.
Eu não recomendaria, em geral, se não fosse, mesmo, por um olhar reflexivo sobre relacionamentos ou por um pensamento descaradamente voyeur.
Nota:
Avaliando aqui apenas como série (o final bem insatisfatório e sem revelar muito) e não sobre as denúncias em si ou sua questão social, minha nota é baixa. Admito que meu cérebro saiu acendendo lâmpadas de conexões muito bacanas com um material de estudo de psicanálise, mas fiquei mais feliz com a forma que eu assisti a série do que de fato com o que ela é.