Esta é uma crítica do “dorama brasileiro” Além do Guarda-Roupa, uma série sobre uma garota que tem um portal para a Coreia em seu guarda-roupa, por onde acaba conhecendo o famoso grupo de kpop ACT.
A produção chegou a alcançar o topo de audiência do streaming, graças aos fãs de kpop, principalmente. É a primeira vez que uma série da HBO tem em seu elenco um protagonista sul-coreano e o fato de ter uma protagonista brasileira com traços coreanos é muito positivo. Embora seja gravada no Bom Retiro, em São Paulo, só há uma personagem brasileira com traços asiáticos em toda a série, mas, felizmente, ela é a protagonista e há ainda o fato de que ela precisa “parecer isolada” na trama como bem apontaram nos comentários das primeiras impressões. A história é supervisionada por uma roteirista com sobrenome coreano e uma produção competente.
Elenco
Sharon Cho, brasileira com ascendência asiática, é a protagonista Carol. Simplesmente adorei a atriz e acredito que em tudo que achei charmoso nessa série ela estava envolvida. A personagem é uma mocinha que deseja se tornar bailarina, mas o mundo em volta dela só quer saber de kpop e enxergá-la como “a coreana”.
Ela acaba envolvida em um triângulo amoroso bem difícil com dois idols lindos:
Kyung (interpretado pelo solista Woojin, ex-integrante do grupo Stray Kids), o líder de um grupo de kpop que enfrenta problemas na carreira. O personagem é o típico bad boy carismático. O ator, que venceu o prêmio de melhor artista no Asia Top Awards em 2023, cumpre bem seu papel com seus olhares fatais e boa aparência (e é muito bonitinho vê-lo falando “paçoquinha” enquanto dorme). Um fato engraçado é que Woojin é conhecido por suas altas habilidades na dança, mas seu personagem sofre justamente com um problema no palco, algo que dificilmente aconteceria com o idol – dá pra ver um pouquinho de suas habilidades de dança na cena bonita que ele se expressa em movimentos de dança contemporânea. Ele também se tornou o primeiro sul-coreano a ser protagonista de uma série da HBO Max, alavancando bem sua carreira de ator.
Já Dae Ho, o flowerboy do grupo, é interpretado pelo Jinkwon, líder do grupo Newkidds (que atua com outro membro na série, Lee Min Wook). Sua personalidade doce é típica de um bom clichê antigo de dorama. O único problema é que as cenas fofas são meio “do nada” (tipo aquela de amarrar os sapatos e basicamente todas que ele surge na casa da Carol só para fazer algo fofo e ir embora). Desde o começo o cantor traz toda aquela aura de “second lead” que deixa todo mundo sofrendo (mas eu torci mais pelo Kyung), sendo um contraponto de bom moço à figura forte do líder do grupo. Só faltou o personagem ter algum desenvolvimento. Ficou parecendo só um objeto de fanservice e não dá para entender por que diabos ele se apaixonou pela protagonista.
Os outros personagens do grupo ficam apagados, um deles tem cenas de flerte fofo com um amigo de Carol (o que eu achei corajoso, principalmente da parte do ator de aceitar, visto que os netizens não perdoam quase nada). O grupo fictício tem sincronia e até desejei que o ACT fosse um grupo de verdade, principalmente porque suas músicas são ótimas e viciantes (VROOM fica na cabeça).
Gosto também da tia (do Porta dos Fundos), que segura as pontas para tornar as cenas sérias quando precisam. A atriz que interpretou Nayara, a melhor amiga, também me agradou, porém, a personagem tem uma nota só e cai em um estereótipo vazio de fã obcecada, mesmo com a atriz fazendo o melhor para deixá-la carismática. Infelizmente, os roteiristas deixaram a pobrezinha insignificante, mesmo quando tem a chance de brilhar na ausência da protagonista. Sua vida se resume ao ACT e, mesmo assim, ela não consegue cumprir nem seu amor de fã, pois demora muitos episódios para conhecer seus ídolos…
O Pyong Lee faz sua participação, me surpreendendo por sua veia cômica. Não esperava gostar de seu trabalho atuando, mas foi interessante vê-lo como manager do grupo.
A imagem dos fãs na série
“Histéricos, obcecados e agressivos” é mais ou menos como os fãs são vistos na série. É um estereótipo pouco saudável, sendo representado principalmente na figura da dona da página do ACT. A personagem respira para idolatrar o ACT, não conseguindo ter nenhum tipo de relação real por causa disso. Até o episódio 6 tudo que existe na construção da personagem se resume a ser fã e isso vai ficando cansativo.
A série até tenta dar um tom positivo sobre o impacto de um idol na vida de fãs, mas é muito breve. Em geral, achei um reforço estereotipado sobre fãs muito apaixonados, que embora cometam certos excessos em nome de seu amor, em geral não cometeram crime algum que não seja apoiar seus ídolos. A imagem que fica é de uma histeria coletiva satírica, já que não há nenhuma representação saudável de fãs do grupo.
Análise e as questões de roteiro…
O problema aqui é que muitos momentos parecem terem sido escritos por roteiristas diferentes, já que a cena “quebra” e vira um momento completamente desconexo em nome de um momento fofo. Para ilustrar, revisitem essa cena comigo: os personagens estão caminhando em São Paulo para fazer um tour, quando, de repente, ao passarem debaixo da escola de balé, a protagonista puxa o mocinho de lado, literalmente correndo para longe do grupo, e decide que é uma boa hora para sentar-se e um banco aleatório só para soltar a frase “Às vezes eu me sinto sozinha”, sem contexto. Os personagens conversam sobre algo importante em um momento pouco conectado com o que estava acontecendo antes e depois simplesmente voltam para o grupo.
Outro exemplo: o personagem diz “Você se tornou minha razão de vida“, enquanto dorme, sem que o relacionamento tenha se construído o suficiente para isso. Basicamente todos os momentos fofos são precedidos de uma cena completamente aleatória. Me parece uma leitura bem estereotipada sobre doramas e fiquei com um pouco de vergonha ouvindo essa parte.
Outra questão são os passados traumáticos dos protagonistas que, a meu ver, ficaram mal explorados e um pouco bobos (a cena do atropelamento é tão dorama dos anos 2000 que não dá nem para ficar triste). Também conseguiria pensar em uns três motivos para explicar o surgimento de um portal em seu guarda-roupa de maneira significativa e emocional, mas a série não faz isso.
Conclusão
Penso que a falta de conhecimento do mercado sobre doramas pela mídia brasileira em geral faz com que a série ganhe um benefício de “ah, doramas são bobinhos assim mesmo, então é bom” no meio das resenhas oficiais que se baseiam no release enviado pela produção.
Tem também o fato de ser muito desconfortável criticar um trabalho nacional, porque sabemos todas as dificuldades que temos internamente para produzir qualquer coisa artística, então precisamos, sim, valorizar o trabalho, ainda mais quando temos um elenco esforçado que parece ter um carinho pela obra. Eu mesma me identifico pessoalmente com os artistas se esforçando para fazer esse trabalho tão desvalorizado, mas aqui tenho que me ater à série enquanto “dorama brasileiro”, como ele se vende.
O maior problema da série é desenvolvimento de personagem. As ideias são MUITO legais e empolgantes (relacionamento de fã-ídolo de vários tipos, muito bons), os personagens são carismáticos e muito fofinhos. Porém, faltam camadas nos textos que saem de sua boca e na própria construção.
Enfim, tirando esses pedaços que parecem “perdidos”, a série é divertida, leve e decente. Muito do meu gostar ficou por conta da atuação da atriz principal, que eu adorei, da tia vilã, que me irritou aos montes com seu bom trabalho, e dos meninos do grupo, carismáticos em seu papel. Gostei até do Pyong Lee como empresário. Ficou bem engraçado.
É uma série bonitinha e inofensiva, muito superior a X.O Kitty, com uma produção de qualidade. Não tem por que não assistir se você estiver procurando algo levinho e tranquilo, mas saiba que é bem voltado para um público pré-adolescente.
P.s.: que beijão, hein? Deu gosto de ver.
Nota:

Quero um spinoff só com o Pyong empresário. Melhor personagem.
CurtirCurtir