Pachinko: uma saga de hereditariedade e resistência

“Pachinko” é uma dorama de 2022 baseado no romance homônimo de Min Jin Lee, que narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações durante o período de ocupação japonesa. Disponível no Apple TV+, a série é um drama histórico que explora temas de identidade, resistência e herança cultural, com uma profundidade rara.

O dorama

Dirigido por Kogonada e Justin Chon, “Pachinko” é uma produção ambiciosa que captura a essência do livro, mantendo sua narrativa complexa e emocionalmente carregada. A série se desdobra em várias linhas temporais, começando na Coreia ocupada pelos japoneses e se estendendo até o Japão contemporâneo. A narrativa visual é rica, com cinematografia que destaca a beleza dos cenários e a intensidade das experiências humanas.

A história central gira em torno de Sunja, uma jovem coreana que enfrenta inúmeras adversidades após uma gravidez fora do casamento. Interpretada por Kim Min-ha e Youn Yuh-jung em diferentes fases da vida, Sunja representa a força e a resiliência de um povo que luta para manter sua identidade em meio à opressão. Lee Min-ho também brilha como Hansu, um homem com quem Sunja se envolve e que desempenha um papel crucial em seu destino.

Comparação com o livro

O romance “Pachinko” de Min Jin Lee é uma obra de ficção histórica que recebeu aclamação crítica por sua abordagem detalhada e sensível da vida dos coreanos no Japão. Tive o grande prazer de comprar e ler o exemplar antes de assistir à série (assinei a Apple Tv só para isso). A narrativa do livro é expansiva, cobrindo décadas e dando voz a diversas perspectivas dentro da família Baek. A abordagem é linear, desde a infância de Sunja até sua velhice. Nos afeiçoamos e acompanhamos suas lutas individuais que são representativas de um coletivo, de maneira brilhante. A história de Sunja traz a memória de eventos históricos, explorando temas de identidade, racismo e perseverança.

A série se mantém fiel ao espírito do livro, embora faça algumas adaptações necessárias para o formato televisivo, como, por exemplo, trazendo misturados elementos que aparecem só nos últimos capítulos para a atualidade. A série faz um bom jogo de futuro e passado, necessário para prender a atenção. No entanto, enquanto o livro oferece uma profundidade maior na interioridade dos personagens, a série compensa com uma representação visual poderosa e performances emocionantes. Alguns personagens recebem mais destaque na série – por exemplo, Hansu, que muito mais tempo de tela do que o original -, e há uma compressão de eventos para manter o ritmo adequado para a televisão, mas sem perder a essência e os simbolismos por trás das cenas.

O elenco

O elenco de “Pachinko” é estrelado por atores renomados que trazem uma profundidade notável aos seus personagens. Kim Min-ha, em sua estreia em um papel principal, entrega uma performance poderosa como a jovem Sunja, capturando a vulnerabilidade e a força da personagem. Youn Yuh-jung, vencedora do Oscar por “Minari”, interpreta a versão mais velha de Sunja com uma dignidade comovente.

Lee Min-ho, conhecido por seus papéis em “Boys Over Flowers” e “The King: Eternal Monarch”, interpreta Hansu. Para valorizar sua participação, a série adicionou cenas que não estão presentes no livro, explorando mais a fundo seu personagem e seu relacionamento com Sunja. Esta escolha enriquece a narrativa, permitindo ao público compreender melhor as motivações e os dilemas de Hansu.

Outros membros do elenco incluem Jung Eun-chae, conhecida por “The Guest” e “The King: Eternal Monarch”, que interpreta Kyunghee, a cunhada de Sunja. Jin Ha, que participou de “Devs” e “Love Life”, interpreta Solomon, o neto de Sunja, que enfrenta suas próprias lutas com a identidade e a herança familiar no Japão moderno.

Herança e identidade

“Pachinko” é, acima de tudo, uma exploração da hereditariedade e da identidade. A saga da família Baek é uma história de sobrevivência e adaptação, mas também de resistência cultural. Em uma Coreia ocupada e, posteriormente, em um Japão que marginaliza os coreanos, os personagens lutam para preservar suas raízes e transmitir seus valores às gerações seguintes.

A série aborda questões de racismo e xenofobia com honestidade, destacando as dificuldades enfrentadas pelos coreanos no Japão, um tema que ressoa profundamente em tempos contemporâneos. A herança cultural é um tema central, mostrando como as tradições e a identidade são passadas de geração em geração, mesmo em face da adversidade.

A herança é representada não apenas através de bens materiais, mas também através de valores, resiliência e o desejo de uma vida melhor para os descendentes. Sunja, como matriarca, é o fio condutor dessa narrativa, simbolizando a força das mulheres que carregam o peso da história e das expectativas de suas famílias.

Do ponto de vista psicanalítico, “Pachinko” oferece temas relacionados à identidade, trauma e resiliência intergeracional. A saga da família Baek pode ser vista como um estudo sobre como os traumas e as experiências de uma geração são transmitidos às seguintes, moldando a psique e as escolhas dos descendentes.

Sunja, como personagem central, carrega o peso dos sacrifícios feitos por sua família. Sua trajetória revela uma luta contínua entre a submissão às circunstâncias e a resistência contra elas. O relacionamento com Hansu, marcado por ambivalência e complexidade, representa os conflitos internos entre o desejo de segurança e a necessidade de autonomia.

Os descendentes de Sunja, especialmente Solomon, refletem a contínua busca por identidade em um ambiente que ainda marginaliza suas origens. A série destaca como a história familiar e os legados emocionais podem influenciar as escolhas e o senso de pertencimento das novas gerações.

Não canso de reforçar a sensação reflexiva de olhar para as pessoas mais velhas e pensar na época que eram jovens, na história que carregam. Os filhos e netos de Sunja mal imaginam tudo que ela passou e, criados em outras épocas, tomam atitudes e têm privilégios que os moldam em novas personalidades.

Conclusão

“Pachinko” é um drama profundo e envolvente que oferece uma visão rica e complexa da história e da experiência humana. A série é uma adaptação digna do romance de Min Jin Lee, capturando a essência de sua narrativa enquanto oferece uma experiência visual e emocionalmente impactante. Para aqueles que apreciam histórias de resistência, identidade e herança, “Pachinko” é obrigatória!

Nota:

⭐⭐⭐⭐⭐
Avaliação: 5 de 5.